Julho, 01. Quinta-feira.
Decidi esquecer os homens idiotas que não sabem que eu sou um bom par para a festa e me concentrar no meu mim interior.

-> Durante a silenciosa, porém mortal, aula de biologia.
   Enquanto a minha mente vagava por jardins floridos em meio a aula de biologia, resolvi que devo esquecer o universo masculino para concentrar-me no meu "mim" e descobrir algum tipo de força maior.
   Qualquer tipo. Nem que seja força de atrito.
   Realmente, talvez o sexo oposto tenha momentaneamente me desconcentrado do objetivo maior dessa festa: mostrar às pessoas que sou uma garota, centrada, esperta e livre.
   Aliás, em outras palavras, os garotos estão me desconcentrando do meu objetivo principal: garotos.
   Mas tudo bem. Já disse, sou equilibrada. E isso é que nem largar o cigarro: você se acha horrível, se sente mal, engorda no início, mas depois passa.
   Vou conservar esse pensamento.

-> Durante a silenciosa, porém também mortal, aula de química.
   Hum...uma teoria sobre os homens não sai da minha cabeça.
   Como seria o mundo se as mulheres dominassem tudo e os homens tivessem de morar num abrigo subterrâneo sujo e escuro durante a vida toda, saindo apenas uma vez para a superfície, no segundo domingo de agosto - simbolicamente dia dos pais - para fins procriativos?
   As coisas seriam perfeitas!
   Poderíamos andar semi-nuas como se estivéssemos em algum tipo de jardim do Éden pessoal, demoraríamos no banho, transformando o banheiro em uma mini-sauna, aboliríamos a escravidão, a política e o capitalismo. Aboliríamos também as coisas desnecessárias, como química e física na escola. E a biologia seria resumida em apenas alguns versos em forma de canção de ninar, para que ensinássemos às nossas filhas as verdades da vida enquanto ainda crianças, como tradições seculares de tribos indígenas extintas.

   Apesar desse mundo perfeito, eu provavelmente me mudaria para o subsolo, disfarçada, usando um nome falso e coçando o meu inexistente órgão genital masculino.

-> Não vi que horas eram, pois estava muito feliz no momento
   De repente, eis que Josh se levanta - durante uma saída rápida da professora para a troca do adesivo de nicotina - e me convida para it à festa.

   às favas todas as teorias e "mins interiores": eu tenho um par!

-> 15:02h
   Liguei para o Josh para confirmar se ele queria mesmo ir comigo, ao invés de me escalar para cuidar de seus cães ou coisa parecida. É bom prevenir.

-> 15:03h
   Eu tenho um acompanhante.

->15:04h
   Sim, eu tenho um acompanhante.

->15:05h
   Pode parecer estranho, mas nesta mesma dimensão, eu tenho um acompanhante.

->15:06h
   Eu tenho um acompanhante para uma festa a qual fui realmente convidada.
   Meu nome está na lista. Eu chequei.
   Três vezes.

->15:07h
   O universo parece girar em perfeita harmonia agora que eu tenho um acompanhante.
   O que será que funcionou? As orações? As promessas? Marte passando por Vênus? A carta anônima aos vizinhos?

->16:00h
   Droga! Maconha, cocaína, êxtase, bolinha e todo o tipo de droga!
   Já é quinra-feira e eu esqueci de comprar o vestido.
   Vou sem vestido. Quem liga?
   Afinal, já tenho um acompanhante.
Junho, 30. Quarta-feira.
Escrevendo no diário durante o pós-período, no qual eu fiquei de castigo por ofender caluniosamente a minha professora de estupradora bucal.

-> Perto da Hora do Almoço
   Estou presa na escola, de castigo.
   De novo.
   Tudo culpa da cuspidora de matéria.
   Minha ficha escolar provavelmente vai ficar manchada com mais essa pequena correção pós aula. Na verdade, a minha ficha deve estar classificada como CONFIDENTIAL numa gaveta especial na sala da diretora, junto com as fichas de outros alunos que, como eu, foram mal-interpretados e fichados como perturbadores e desordeiros escolares.
   Hum..começo a imaginar o que mais pode haver na gaveta da sala da diretora. Boletos bancários? Piadas da internet? Ordens escritas do FBI que devem ser incineradas após a execução da operação ficha-aluno? O livro do Jô Soares?
   Enquanto estou aqui presa, vou bolar uma forma de incendiar a diretoria à distância.
   Cuidado, é óbvio, para retirar as piadas da internet da gaveta.

   Como posso fazer isso...?

   É claro! Sugestão mental!
   Oh, não...esqueci. Sugestão mental não funciona comigo.

   Já sei. Sou obviamente a mais inteligente do lugar (apesar da pequena dificuldade com a sugestão mental), então vou reunir uma gangue de pessoas burras para ir lá e incendiar o local pra mim.
   Mas, é claro, eles tem de ser bem fiéis à causa, já que suas fichas sujas serão incineradas junto com a minha.

   Acabei de olhar pra trás. Há apenas um casalzinho se agarrando no fundo da sala, que não darão atenção ao meu plano.
   Eles não dariam atenção a uma guerra nuclear, no momento.

   Droga! Não consigo atrair pessoas bonitas e inteligentes para me levar à festa e nem sequer pessoas feias e burras para os meus planos idiotas.

   Não atraio ninguém.
   Nem moscas.
   Nem gripe.
   O que não deixa de ser positivo, pois eu evito moscas e gripe.
   E cobradores.

-> Noite
   Yupi! Passei uma tarde agradável na casa da Emma, comendo biscoitos caseiros e recortando figuras engraçadas de revistas para o nosso álbum-de-figuras-engraçadas-de-revistas.

  Quase dormi lá, mas tive de voltar para casa, sob ameaças de morte e coisas piores, para lavar a louça.
   Detesto o machismo irônico da minha mãe que afirma que lugar de mulher (eu) é na cozinha lavando os pratos enquanto ela trabalha de saltos e saia social numa firma de seguros.

   Algo está afetando o meu dia, pois não aconteceu nada emocionante. Talvez pensamentos negativos vindos do outro lado da rua.

   O que será que os vizinhos estão pensando do outro lado da rua?
   Bem, com certeza nada pervertido. Eles são aposentados.
   Talvez bocha...?

   Não acredito que a droga do jogo de bocha do meu vizinho está atrapalhando a minha vida emocionante.
   Eu poderia mandar um cartão anônimo para eles dizendo o quanto eles são agradáveis. Isso desviaria os seus pensamentos da bocha.
   Ou não.
   Droga!
Junho, 29.
Lista de coisas a fazer: Comprar um vestido. Emagrecer 2,5 kg. Conseguir um livro que ensine a alterar a realidade com força mental para evitar problemas posteriores.

-> Manhã
   Viva! Hoje o Victor perguntou se eu estaria livro no sábado à noite. Ele disse que quer ir na festa.
   Viu? O telefone não tocou porque eu estava destinada a sair com o Victor!
   Ele não é bem o que eu queria, mas...o que importa? Eu tenho um acompanhante!

-> Tarde
   Raiva. acabei de desligar o telefone. Era a Emma. Ela perguntou porque eu não iria mais à festa.
   Respondi que iria, sim, e com o Victor.
   Ele replicou que não, que o Victor tinha acabado de convidar a Jéssica e que eu tinha aceitado - sabe-se lá como - cuidar da irmãzinha dele no sábado a noite.
   Droga! Raios. Trovões. Furacões. Tufões. Tsunamis!

-> Ainda de Tarde
   Cancelei com o Victor.
   E não vou ficar chateada se mais ninguém me ligar.
   Eu sei que alguém vai me ligar.
   Tenho certeza que alguém vai me ligar.
   Espero que alguém me ligue.
   Acho que alguém vai me ligar.
   Talvez alguém me ligue.
   Será que alguém vai me ligar?!

-> Noite
   Ninguém vai ligar.
   Sou um fracasso. E é tudo culpa da celulite.
   Se bem que ninguém viu minha celulite.

   Talvez nós, meninas, tenhamos um dispositivo natural, como pêlos no rosto, indicando que fomos contempladas com a celulite. Daí os meninos não nos escolhem.

-> Ainda de Noite
   Mas eu não tenho pêlos no rosto.

-> 22:00h
   Vou pra cama. O telefone sempre toca quando já estou na casa. O Léo vai ligar, mamãe vai dizer que eu já fui dormir e ele terá que me convidar pessoalmente amanhã.
   Perfeito.

-> 22:01h
   E se ele matar a aula amanhã?

-> 22:03h
   Ele não vai faltar. Amanhã tem treino. E ele é doente por esporte.
   Ele só vai faltar se ficar muito doente, tipo...tuberculose.

-> 22:05h
   Ai, meu Deus! E se ele ficar com tuberculose? Será que isso se cura em quatro dias? Como é que eu vou sair com ele?

-> 22:10h
   Pensando bem, porque eu iria sair com alguém que está com tuberculose? Excluí o Léo. Vou aguardar o telefonema do Jeff.
   Quero dizer, do Paulo. Eu não gosto do Jeff.

-> 22:15h
   O Paulo e eu somos pessoas que dormimos tarde, então ainda há uma chance dele ligar.
   Ainda há a possibilidade de ele estar no telefone, dispensando todas as outras garotas desesperadas pra sair com ele, pra poder me ligar.

-> 00:07h
   Será que essas garotas desesperadas já foram dormir?
   Vou fazer força mental pra que o telefone toque. Talvez se eu ficar olhando fixo pra ele, com o meu olhar mais letal, ele toque.

-> 00:10h
   Hum...eu devo estar olhando fixo do ângulo errado. Tem toda uma técnica para que a sugestão mental funcione.

-> 00:21h
   Vou parar. Minha cabeça dói.
Junho, 28. Segunda-feira.
Início da preparação para pré-período de espera antes da festa na casa da Kate.

-> 13:02h
   Sempre há uma luz no fim do túnel!
   A menos que o túnel esteja sem eletricidade devido às obras inacabadas de uma construção próxima, que foram abandonadas em função da copa mundial de futebol.
   Kate, A Terrível, anunciou hoje para a turma inteira que dará uma festa em sua casa, no sábado à noite, para comemorar os seus estimados 15 anos e ela quer que "toda a turma esteja presente, viu?". Sua majestade teve a benignidade de condiar a ralé mais pobre e pé-rapada também.
   Conclusão: eu vou!!
   A partir de hoje eu estou entrando num regime militar rigoroso para que tudo dê certo em pelo menos esse fim de semana da minha vida.
   Acho que vou chamas as garotas para vir aqui em casa, comer salada e olhar animais copulando no Discovery Channel. Depois falaremos alegremente a noite inteira sobre cremes, vestidos, irmãos-menores-problemáticos-hiperativos-extraterrestres, o time de futebol masculino do colégio e a campanha política do Tony Blair.
   Enfim, tudo sobre o universo de uma garota normal.

-> 13:17h
   Minha melhor amiga, Emma, acabou de ligar me alertando quanto a possíveis e inesperadas espinhas-de-véspera-de-festa. Incrível alguém se lembrar desse detalhe com quase cinco dias de antecedência.
   Mas agora estou prevenida. Vocês não me pegarão desta vez, bolas de óleo sebáceo nojento. Há, há, há!
   Tenho que iniciar os preparativos para o ritual de auto-flagelação-e-punição-consciente-pré-festa-de-arromba.
   Hum...acompanhantes. Preciso encontrar o meu.
   Não, melhor. Vou deixar que o meu acompanhante me encontre.

-> 14:54h
   Emma acabou de ligar me contando do convite que ela recebeu do Mike pra ir à festa. Ela está muito empolgada. Eu também. Logo, algum menino interessante vai ligar e me convidar para acompanhá-lo.

-> 15:26h
   Quem eu quero que ligue? Bem, definitivamente não o Jeff. O pessoal acha que estou na onda dele, então ele não pode estar comigo. Gosto de contrariar a opinião pública, por isso votei no partido socialista.
   Talvez pudesse ser o Léo. Ele é loiro, olhos cinzas, alto, atlético e rude.
   Posso esquecer a sua falta de educação se ele ligar cedo.
   Hum...se bem que, se o Paulo ligasse eu ía ficar indecisa...

-> 17:00h
   Tomara que o Patrick não ligue, porque eu não vou mais ficar indecisa: já me decidi pelo Léo.

-> 17:15h
   Talvez alguém precise avisar o Léo que eu já me decidi por ele, e que ele já pode ligar agora.

-> 18:02h
   Ninguém ligou, o que é totalmente compreensível, porque hoje estava um dia bonito e as pessoas a recém devem estar voltando para casa depois de lindos passeios com suas bicicletas.
   Mas eu sei que vão ligar.

-> 18:30h
   Vou ensaiar na frente do espelho o que direi quando começarem a ligar. Talvez eu precise apelar pro "Mãe, diz que eu não estou" se a coisa começar a ficar descontrolada.

-> 20:12h
   Meu telefone deve estar com problemas. Um momento, eu vou checar.

-> 20:15h
   Sim! Meu telefone estava fora do gancho, o que por um lado é bom. Alguém deve ter tentado fazer contato comigo e não conseguiu. Isso explica tudo.
   Tomara que isso não os tenham desanimado. Afinal, se eu estava incomunicável, não é culpa minha.

-> 20:23h
   Mas espera...eu tenho celular!
Junho, 27. Domingo.
Tribos indígenas acharam os cadáveres dos cães que encontraram meu corpo, após e ter morrido de tédio na sexta-feira.


-> 13:07h
   Quando a gente pensa que a inutilidade pré-fim-de-semana passou, vem o domingo.

-> 14:27h
   Estou no carro, a caminho de uma reunião de família, tentando evitar de ser esmagada pelo meu irmão contra a janela porque ele está tentando ler o meu diário.
   Por quê, Deus? Por quê?

-> 14:51h
   Ainda estou inconsolável.
   E no carro.
   E rumo a uma reunião de família.
   O que fazer numa situação dessas?
   Não devo perder a calma. Tenho certeza que no próximo posto de gasolina que nós pararmos vai haver uma adorável banquinha armada, cheia de livros de auto-ajuda pra vender, do lado de uma velhinha sorridente. Eu peço pra ela algum livro com o título "Como Fugir das Reuniões em Família Em Onze Passos e Meio" ou algo parecido.

-> 15:02h
   Nenhum posto.
   Nenhuma barraca.
   Nenhuma velhinha sorridente.
   Nenhum livro de auto-ajuda caindo do céu.

-> 15:06h
   Se bem que eu fui boba.
   Velhinhas sorridentes não existem.
Junho, 25. Sexta-Feira.
Talvez cães treinados achem meu corpo alguns meses após eu ter morrido de tédio.


-> 19:02h
   Minha aula foi uma droga.
   Foi horrorosa. E horrível.
   Foi "horrorível".

   Apesar de eu ter uma imensa admiração pela - ainda bem conservada - sanidade mental, a professora literalmente cuspiu a matéria nova na minha casa.
   Não é só anti-higiênico.
   Foi praticamente um beijo francês por tabela.

-> 19:05h
   Procurando no google se existe alguma modalidade de "abuso salival" denunciável na delegacia da mulher. Quero indiciar a professora. Tenho testemunhas.

-> 19:45h
   Levei todo esse tempo para levantar da minha cama, olhar o calendário atrás da porta da cozinha e voltar para a cama com a confirmação da minha terrível suspeita: é sexta-feira.
   Não consigo entender como uma pessoal legal como eu não tem nada pra fazer numa sexta-feira.

   Espera, eu devo ter olhado errado no calendário. Hoje não deve ser sexta-feira.
   Vou olhar novamente.

-> 19:49h
   Sim, é sexta-feira.
   Droga.

-> 19:52h
   Vou olhar só mais uma vez.

-> 19:55h
   Sim. Incontestavelmente é sexta-feira.
   Preciso de ajuda.
Junho, 24. Quinta-feira.
Acho que vou morrer de tédio e ninguém vai notar.


-> 15:32h
   Estou aqui em casa. Sozinha. Com a TV ligada no SBT.
   No cúmulo do meu tédio, comecei a olhar a nova novela mexicana.
   Triste, nunca pensei que pudesse chegar a esse ponto.

   Hoje é um dia triste.
   A semana está sendo triste.
   Quintas-feiras, em geral, são tristes.

   Eu tenho uma pequena teoria sobre as quintas-feiras. Talvez o mundo se encha de sentimentos melancólicos porque a quinta-feira é um acontecimento que vem antes da sexta-feira (até aqui, brilhante) e a sexta-feira é o dia internacional do sem nada pra fazer.
   O que passa a ser mais triste ainda, pois se eu não tenho o que fazer numa sexta-feira, eu devo ser muito desagradável.
   Ninguém me ama.
   Ninguém me quer.
   Ninguém que quer numa sexta-feira.
   Pensando bem, nem numa quinta.

   Se o mundo interio entra num estado de baixo astral total na quinta, é porque há muitas pessoas neste mesmo planeta que não têm o que fazer na sexta também! Que ótimo!
   É bom descobrir que não se sofre sozinha.
   Mesmo sabendo que a pessoa mais perto de mim que possa estar sofrendo de melancolia-de-quinta-feira-pré-sexta-feira esteja a milhares de quilômetros de distância, morando num iglu.

-> 15:38h
   Viva! O telefone! É pra mim, é pra mim, é pra mim!!

-> 15:39h
   Telemarketing. Hunf!
Ano de 2004
Junho, 22. Terça-feira.
Temperatura Agradável

-> 18:37h
   Quase não posso acreditar que achei esse diário. Pensei que ele estava perdido para sempre nos cantos sombrios do meu armário de madeira. Deixe-me atualizar as coisas.
   Hum...destes últimos três meses pra cá vem acontecido bastante coisas, até.
   Debate na escola. Pena de morte. Fiquei com os que eram contra, por acidente, por ter dormido na hora de separarem os grupos. É muito difícil ser contra a pena de morte quando todos os seus colegas estão do outro lado da sala tentando acabar com a vida do pobre serial killer condenado. Não que eu defenda os serial killer. Mas se eu chego a escrever minha tese sobre a eficiência das punições medievais chinesas provavelmente seria processada pela ONU. Enfim, perdi o debate.

   Meu cãozinho Tobi morreu.

   E eu descobri, após infindáveis pesquisas, inúmeras experiências e intermináveis entrevistas com o público de que talvez haja uma chance - remota e passageira - de que eu esteja a fim do Jeff.
   Quer dizer...eu não concordo de todo. Estar "afim" soa com se eu sonhasse com infinitas possibilidades com ele. O que eu não faço.
   Ainda.