Julho, 3. Sábado.
Sacrifiquei uma virgem para garantir que tudo dê certo na festa.

-> Manhã
   Hoje. dia a festa. Nenhuma espinha. O sacrifício deu certo.

-> Tarde
   Tive três ataques de histeria nervosa, um colapso mental, duas crises de choro e onze pensamentos homicidas-suicidas.
   Ou seja, adiantei tudo pra que não precise fazer nada desse tipo hoje a noite.

-> Noite, antes de sair de casa
   Estou arrumada, vestida, maquiada e preparada.
   Pús em minha bolsa apenas artigos de primeira necessidade. Como pó, batom, band-aids (para calos, arranhões, machucados, mordidas e coices), carteira, dinheiro, celular, diário, lanterninha de bolso, ímã de geladeira com o telefone da pizzaria mais barata da cidade, cifras do Red Hot Chilli Peppers e um exemplar da Teen, última edição.

-> Noite, agora mais perto de sair de casa
   Josh ligou pedindo para me encontrar lá. Na certa quer me fazer uma surpresa. Isso acaba de arruinar a minha entrada triunfal, porém pode resultar em coisas melhores.

-> 20:22h
   Estou sentada em uma das mesas de quatro lugares, dispostas ao redor da piscina, escrevendo sutilmente enquanto escuto Josh falar.

-> 20:32h
   Ele ainda não parou de falar.

-> 20:35h
   Talvez ele esteja só tomando coragem pra me falar alguma coisa realmente importante, referente à surpresa pra mim.

-> 20:42h
   Começo a achar que ele não vai parar de falar e que sequer fez uma surpresa pra mim.

-> 20:50h
   Kate acabou de passar por aqui com risinhos falsos e forçados, fingindo estar realmente se importando com o nosso bem estar. Notei a singela olhada que ela lançou ao Josh, insinuando que talvez estivesse alguma coisa muito divertida acontecendo lá dentro de sua casa, longe da nossa turma, onde eles deveriam estar.
   Mas não vai adiantar. Não desta vez.
   Se bem que, se ele continuar alando, não me importaria em dividir. A generosidade é um bem humano.
   E eu sou humana.
   Ainda assim, ele me convidou. então, deve estar interessado em mim. Josh é meu e só meu.

-> 21:10h
   Meu acompanhante e Kate estão na pista de dança, colados um no outro. Sei que ele só está dançando com ela porque pretende passar o resto da noite comigo, e então, como é educado, decidiu passar algum tempo com a aniversariante.

-> 21:35h
   Pelo tempo em que está passando com a aniversariante, ele realmente tirou o resto da noite pra se concentrar em mim.

-> 21:45h
   Uma leve suspeita me diz que ele não vai voltar.

-> 21:47h
   Uma leve certeza me diz que ele não vai voltar.

-> 21:48h
   Uma certeza cruel e esmagadora, mais comprovada do que a gravidade, me diz que ele não vai voltar nem pra se despedir.

-> 21:49h
   Ainda bem que eu trouxe o meu exemplar da Teen.

-> 21:50h
   Não preciso mais do exemplar da Teen. Sou uma pessoa madura e equilibrada, e vou ficar apenas olhando os casais dançarem, com uma certa ironia, dando a entender que eu já passei dessa fase boba.

-> 21:52h
   Vou chorar.

-> Depois das dez
   Fui para trás de uma moita no jardim, armada de um pequeno isqueiro encontrado em minha bolsa, com o intuito de provocar um pequeno inc~endio, com folhas secas, totalmente controlável - para, quem, sabe - queima alguns hamsters locais.
   Encontrei o Jeff atrás dessa mesma moita, vomitando o próprio fígado.
   Em sã consciência eu o ignoraria até que ele entrasse em combustão espontânea - tamanha a quantidade de álcool naquele corpo. No entanto, fiquei melancolicamente feliz por ver que alguém estava pior do que eu.

-> Já em casa
   Que noite, puxa vida!
   Já dizia o ditado, que as coisas chatas só acontecem com pessoas legais.
   Eu sou muito legal.
   Mesmo assim, precisava aliviar a minha noite descontando essa tensão em alguém. Mas meu irmão já está dormindo.
   Droga.
Julho, 02. Sexta-feira.
Meu "mim" interior está muito feliz. E o exterior também.

-> Quase cinco da manhã
   Não consigo dormir. Talvez pelo fato de eu ter um acompanhante.
   Vou planejar tudo agora para que nada dê errado amanhã. Mas nada vai dar errado amanhã, pois o mundo gira em torno do sol, a gravidade aineda atua sobre nós, nenhuma espinha vai aparecer e eu tenho um acompanhante.
   Acho que, primeiro, ele deve vir dirigindo sensualmente, bater à minha porta, pedir minha mão pro meu pai e quando este não concordar, sequestrar-me para casarmos em Las Vegas.
   Não, desculpe. Plano errado.
   Josh deve me ligar dizendo que já está vindo e que é pra eu me preparar, porque seremos as estrelas da festa. Depois, entraremos triunfantemente na casa de Kate, A Terrível, deixando os convidados de boca aberta.
   Depois, é claro, sequência rápida de bebida-beijo-de-tirar-o-fôlego-bebida, para só então nos relacionarmos superficialmente com o resto da turma. Tem que ser tudo muito superficial, para dar um ar de tédio e insinuar que fazemos esse tipo de coisa com uma frequência constrangedora.

-> Meio-dia
   Não consigo comer.
   Entrei num verdadeiro desespero-pré-pânico-pré-colapso-mental-pré-mais-alguma-coisa-ruim-com-certeza. Vou ligar para Emma e ver se ela tem a solução do meu problema.

-> Ainda meio-dia
   Ela não tinha a solução do meu problema.

-> É, meio dia
   Nem a Cindy, a Mary, a Jéssica, a Lauren, a Alana, a Mônica ou a Sarah.

-> Sim, ainda meio dia
   Estou olhando fixo para o telefone, pois daqui um pouquinho o Tom Cruise vai ligar, dizendo ter a solução para o meu problema.

-> Uma da tarde
   Tom Cruise não ligou.

-> 13:25h
   Mamãe ligou dizendo que podemos sair pra fazer compras hoje à tarde, incluindo vestidos-perfeitos e presentes-para-megeras-de-aniversário-que-não-têm-crises-mentais. Yupi!!!

-> 18:06h
   Acabei de chegar da guerra. Digo, compras.
   Depois de vagas em inúmeras lojas como uma zumbi, em busca da roupa perfeita para a ocasião, entrei numa pequena boutique onde finalmente achei, jogada num canto, uma jardineira jeans, estilo macacão, justinha e com detalhes bordados em verde. Quase chorei de emoção ao ver que não custava muito.

   Havia muita gente vagando no centro, parecíamos formigas, andando de um lado para o outro, sempre seguindo em frente, carregando nossos suprimentos nas cosras e localizando-nos pelos odores corporais.
   E que odores.

   Encontramos uma adorável loja de presentes com produtos artesanais, pintados a mão por freiras, cegas e virgens, da Dinamarca Ocidental, antes da guerra. Simplesmente primoroso.
   É óbvio que eu passei reto. Afinal, o presente é para a Kate.
   Fiquei pensando no que eu poderia comprar.
   A primeira coisa que me veio à cabeça foi um espeto cromado de churrasco afiadíssimo, cravado com vidros reluzentes ao invés de pedras preciosas. Pode não parecer muito bom, mas eu iria caprichar no embrulho. Gosto de mostrar às pessoas que eu posso ser uma menina perigosa.
   Acabei comprando um igualmente letal cd de pagode.
   Ninguém se mete comigo.